terça-feira, 10 de janeiro de 2017

O Êxtase de Santa Teresa de Ávila


Êxtase de Santa Teresa de Ávila de Bernini, na Igreja de Santa Maria Vitória, Roma

O amor associado à vivência de prazer extático são uma das formas de atingir a iluminação no Tantra. Esse êxtase pode ou não acontecer através de relação sexual. É amor puro, transcendente, que leva a pessoa para uma outra dimensão.

Penso que o amor e o êxtase profusamente escritos por Santa Teresa de Ávila, e magistralmente esculpidos por Bernini, falam também disto. Na sua própria visão e palavras, o anjo cupido atinge santa Teresa de Ávila com a sua seta dourada: “A dor era tão grande que eu soltava gemidos, e era tão excessiva a suavidade produzida por essa dor imensa que a alma não desejava que tivesse fim nem se contentava senão com a presença de Deus. Não se trata de dor corporal; é espiritual, se bem que o corpo também participe, às vezes muito.”

Santa Teresa de Ávila nas suas palavras puras fala de amor romântico (veja-se o poema abaixo) e de êxtase e a igreja aceita-os porque não tem participação física de uma segunda pessoa. E assim é o êxtase amoroso, o prazer transcendental: é amor puro, luz pura, um estado de beatitude, de plenitude de que não se quer sair.

Quando falo em Sexualidade Sagrada falo nesta permissão de sentir o que o corpo e a alma são capazes de sentir, haja ou não outra pessoa, seja o amor por Deus ou por um ser de carne e osso. Falo no direito de todos resgatarmos a nossa capacidade de amar e sentir prazer ilimitado. Digo que a intimidade que se pratica por aí pode experimentar esta magnitude. Que a falta de intimidade amorosa dos casais pode transmutar-se em algo deste género, se ambos quiserem, se ambos ousarem experimentar a forma.

Porque é que alguém poderá entrar em êxtase com Deus por amor e não poderá ter êxtase amoroso com o seu parceiro ou parceira? Mera arbitrariedade humana que tão mal tem feito às pessoas e às sociedades.

Mas todos os dias são dias óptimos para darmos início a outra história pessoal e social. À história de quem é de facto cada um de nós.


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"Quis o Senhor que eu tivesse algumas vezes esta visão: eu via um anjo perto de mim, do lado esquerdo, em forma corporal, o que só acontece raramente. Muitas vezes me aparecem anjos, mas só os vejo na visão passada de que falei. O Senhor quis que eu o visse assim: não era grande, mas pequeno, e muito formoso, com um rosto tão resplandecente que parecia um dos anjos muito elevados que se abrasam. Deve ser dos que chamam querubins, já que não me dizem os nomes, mas bem vejo que no céu há tanta diferença entre os anjos que eu não os saberia distinguir.


"Vi que trazia nas mãos um comprido dardo de ouro, em cuja ponta de ferro julguei que havia um pouco de fogo. Eu tinha a impressão de que ele me perfurava o coração com o dardo algumas vezes, atingindo-me as entranhas. Quando o tirava, parecia-me que as entranhas eram retiradas, e eu ficava toda abrasada num imenso amor de Deus. A dor era tão grande que eu soltava gemidos, e era tão excessiva a suavidade produzida por essa dor imensa que a alma não desejava que tivesse fim nem se contentava senão com a presença de Deus. Não se trata de dor corporal; é espiritual, se bem que o corpo também participe, às vezes muito. É um contato tão suave entre a alma e Deus que suplico à Sua bondade que dê essa experiência a quem pensar que minto."


Da autobiografia de Santa Teresa de Ávila segundo Padre Paulo Ricardo

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GLOSA
De Santa Teresa de Ávila

Esta divina união
com o amor por quem eu vivo
faz de Deus o meu cativo
e livre meu coração;
mas causa em mim tal paixão
ver a Deus em meu poder
que morro de não morrer.

Ai! como é longa esta vida!
Que duros estes desterros,
este cárcere e estes ferros
em que a alma está metida!
Só esperar a saída
me causa tanto sofrer
que morro de não morrer.

Ai! Que vida tão amarga
se não se goza o Senhor!
E, se tão doce é o amor,
não o é a esperança larga;
tire-me Deus esta carga
tão dura de padecer,
que morro de não morrer.

Somente com a confiança
vivo de que hei de morrer;
porque, morrendo, o viver
assegura-me a esperança:
morte em que o viver se alcança,
bem cedo te quero ver,
que morro de não morrer.
(…)

Vida, como obsequiá-lo,
a meu Deus, que vive em mim,
senão perdendo-te a ti,
por melhor poder gozá-lo?
Quero morrendo alcançá-lo,
pois só Ele é o meu querer,
que morro de não morrer.

Estando ausente de ti,
que vida pudera ter,
senão morte padecer
a maior que jamais vi?
Lástima tenho de mi,
por tamanho mal sofrer,
que morro de não morrer.